Amável

Acho bastante impressionante as formas com que eu busco me sabotar quase sempre, inconscientemente. Quando se torna consciente eu me assusto tanto e me envergonho tanto, porque é tão óbvio que eu fico sem entender como eu não percebi aquilo antes. Não sou brilhante, mas me considero uma pessoa razoavelmente inteligente. E quando me deparo com certas coisas, fico um tanto quanto desconcertada. Me chateio um pouco por não ter tanta perspicácia, mas enfim. É bobo, é pequeno. Sempre são coisas bobas e pequenas mas que tem interferências grandiosas na minha vida. Eu me saboto demais. Provavelmente o tempo todo.

Tenho pensado em voltar do trabalho a pé pois não quero pegar mais a linha vermelha. Ela está dando muito problema então prefiro evitá-la. Essa semana fiz o percurso do trabalho até em casa, de chinelo. Foi ótimo, mas chinelo é inapropriado pra longas distâncias numa cidade como São Paulo. Mesmo no verão, tudo é muito sujo. Aí pensei “amanhã vou de tênis, blusa e mochila”. E acabei fazendo isso. Troquei a roupa, coloquei o tênis e fui. Andei da M. Deodoro até a praça da República direto. Não andei muito rápido e também não foi um esforço enorme, mas comecei a perceber que meus pés estavam doendo muito, demais mesmo.

Meus pés doíam e era como se minhas pernas pesassem muito mais do que realmente pesam, de forma com que simplesmente caminhar fosse penoso. Desde o começo do ano tenho tentado analisar nisso. Mas eu sempre pensava da seguinte forma “ok, estou desacostumada a andar, vai ver é por isso que está doendo”. Ou algo tipo “ok, estou acima do peso, talvez seja por isso que os meus pés dóem, isso é normal”. E quando eu fazia caminhadas no parque eu pensava na possível solução: “talvez quando eu me acostumar a caminhar todo dia e se eu andar mais e me dedicar mais, esta dor vai passar, com certeza”. Era estranho, mas era assim.

E estes pensamentos todos voltaram de uma vez quando eu finalmente sentei na praça da República, exausta, e tirei meus tênis, com os pés latejando de dor. Me senti meio que um fracasso por ter parado. Tenho essa mania, imbecil, de me orgulhar de começar as coisas e levá-las até o fim. Deixar coisas pela metade significa sempre um fracasso. Mas enfim, eu estava com uma dor intensa e eu não conseguia ignorá-la, então parei a caminhada pra casa. Fiquei uns 15 minutos sentada, pensando nesses meus argumentos de sempre, observando as pessoas, massageando o meu pé. Tentei deixar tudo solto. Eu queria que algo se quebrasse ali.

Eu estava esperando a resposta vir até mim. E aí eu tive uma lembrança bem recente. Lembrei que naquela semana, antes de ter decidido voltar à pé pra casa com roupas adequadas e tênis, eu tinha voltado de chinelo e não senti nenhum tipo de dor e nenhum tipo de cansaço absurdo. Meus pés só ficaram sujos da cidade, mas não tive sequer um momento de exaustão, não precisei parar, nada, fui direto. E me senti bem durante todo o percurso. Aí eu pensei que talvez isso não tivesse realmente nada a ver com o meu peso. E nada a ver com a minha falta de costume ou de gosto em caminhar. Ou nada a ver com nenhum desses pensamentos que eu tinha.

Olhei pro céu sentindo dor, massageei meus pés mais um pouco e de repente olhei um pouco mais demoradamente pros meus tênis. E aí eu percebi o quanto os meus cadarços estavam mega amarrados. Estavam inviavelmente apertados. Senti vontade de chorar, mas não fiz isso. Tenho que criar a disciplina interna de que preciso ser cada vez mais gentil e amável comigo mesma. Chega de ficar se sentindo mal e sentindo pena de mim o tempo todo. Eu não mereço mais isso, não preciso disso. Preciso de agilidade, de movimento, e às vezes isso me imobiliza. Apenas sorri e soltei os cadarços e tentei me deixar o mais confortável possível.

Consegui terminar o percurso sem maiores problemas.