O que fazer com o presente?

– Com que roupa você saiu de casa hoje?

– Não sei, acho que com a primeira que vi na minha frente (O que era mentira, mas poderia ser verdade. Geralmente é).

– Você escolhe qualquer coisa assim desse jeito, qualquer coisa está bom pra você?

– Às vezes, sim. Esse meu descuido aparente e esse não me importar só faz demonstrar o quanto me importo na verdade, de um jeito muito pessoal. Tenho dificuldade e uma resistância enorme à elogios, bajulações e presentes, assim como tenho dificuldade em me apreciar. Certa vez viajaram e me perguntaram “o que você quer de presente?”. Respondi: você e eu realmente quis dizer isso. Mas não foi o suficiente para a pessoa, que me forçou a escolher alguma coisa. Escolhi então qualquer coisa, apenas para que a pessoa parasse de reclamar, mas aí a situação já estava estabelecida: eu era, sou, uma sonsa, que não tem nem bom, nem mau gosto, mas que simplesmente não tem gosto por nada, não gosta de nada, não quer nada, uma indiferença profunda que não se limita apenas a escolha de um presente, mas a outras escolhas na vida também. Ainda continuo não me importando com presentes e é sempre um incômodo quando dizem que querem me presentear e me fazem perguntas. Quando sou surpreendida com algo inesperado sempre me emociono, mas quando é premeditado, quando alguém precisa ou quer me agradar, a tendência é realmente fazer a pessoa desistir de me presentear. “Não precisa”, “não traga nada, não quero nada”, etc.

– Você não acha que um presente é importante? Que demarca o presente? É uma lembrança, uma delicadeza, um pedaço de história, a construção de um vínculo, de significado…

(ríspida) – Não gosto de presentes…

(silêncio longo)

[Tateando o que será dito com os olhos: primeiro o carpete, depois a parede, a cortina, e então a janela. Não, não há escapatória.]

… Presentes são promessas.

(silêncio)

(dito com muito cuidado) – Nem todas as promessas podem ser eternas.

– Sim. E eu lamento profundamente por isso. Todos os dias.